quinta-feira, 24 de setembro de 2015

# ódio



Temo exagerar no argumento e prejudicar a causa, como precavia Hegel; entretanto, vamos em frente, pois a pertinência escancara-se.

A tese de Adolf Hitler  ratificada pelas teorias que sempre trataram da psiquê humana -- era muito simples: nada une tanto um grupo díspar de seguidores do que o "ódio".

E assim o líder nazista construiu uma grande máquina na qual essa emoção negativa para tratar das subclasses funcionava com rara eficácia.

Por aqui, a negação do outro lado -- cujo teor fez surgiu, pós-Holocausto, a ideia da "banalização do mal" (v. aqui) -- também é alimentada, diuturnamente, por tvs, jornais, revistas, sites, rádios e para-choques de caminhão que mostram o pobre e o nordestino como seres inferiores, incapazes de terem seus próprios juízos.

A negação, partida de uma gente odiosa a qualquer um que ouse pensar pelo lado esquerdo do peito e sentir pelo lado humano do cérebro, funda-se na cantilena de que a sua consciência é a única ciente, a única com a ciência de avaliar o bem e o mal e de decidir os destinos do país, forma-se no plano da expiação dos seus pecados combatendo o inimigo vermelho, resume-se no fetiche do individualismo meritocrático, digno daqueles bem-nascidos, e resolve-se pelo álibi do combate da corrupção como fantasia para promover seus ideais de um terra limitada aos "de bem", esses singularmente reconhecidos no que se vê no espelho.

Veem, pelos olhos platinados da tv, que o destino é ser "contra-tudo-isso-que-está aí".

Só esquecem de ver, com os olhos que a terra há de comer, que o destino deles não é o destino de outras dezenas de milhões de brasileiros mal classificados e que sempre foram ultrajados pela classe usurpadora do Estado.

Os lancinantes discursos do Führer estimularam a "paixão do ódio", tal qual os editoriais e locutores da grande mídia perante seu público-alvo.

E grande parte da nossa classe média  medusicamente cooptada pelas teses reacionárias da elite – comprou esta ideia, sorvendo o veneno produzido amiúde por todos os cantos midiáticos.

Ora, o que sempre se percebeu no Brasil é a vontade de um Estado que tenha um só lado, que estanque a massa na miséria analfabeta e que pare de tentar ser de todos e para todos.

Essa é a nossa vontade secular, o desejo felino da nossa elite empedernida, tão desgostosa da ações populares e populistas e que na nossa história recente levou a matar Getúlio e a derrubar Jango para dar golpes.

Desta vez, quem escancarou a divisão do país, o recalque social e a falta de espírito cívico, nacional e democrático de uma grande parcela da população foi um partido político que, estando há milhares de léguas submarinas de ser um ente promotor do socialismo revolucionário, apresentou-se como o único factível em uma sociedade tão concentradora de riqueza.

E não ao contrário, afinal, é o contrário do estado democrático, da soberania popular e da desigualdade social que sustenta as bases programáticas desenhadas pela direita e que dá asas aos seus príncipes.

Não à toa, o ódio por trás da contínua depreciação de um grupo político  que, infelizmente, cometeu dezenas de erros – e da incessante desconstrução da Política tem por fim a retomada do status quo, a despolitização da vida pública, a apolitização do cidadão e o recrudescimento das "mãos visíveis" que algemam o Estado social.

É o rancor pelo potencial fim de um exército de mão-de-obra barata, explorada e fruto dos processos de colonização escravocrata e de urbanização favelizada.

Na contramão do mundo, a cegueira faz uma grande parte do Brasil ser conduzida pelos cabrestos interesses de quem na história sempre fez desta terra uma terra de poucos, agora sob os auspícios de um neoliberalismo que sabe à naftalina.

Mas é uma cegueira branca, como aquela de Saramago (v. aqui e aqui).

Hoje, a fúria que baba do canto da fala ensaia o retrocesso, o regresso e o resgate de programas econômicos funestos e de políticas públicas nauseabundas, tudo temperado com repressão e depressão.

A nau que pode voltar a nos conduzir, não sejamos tolos, tem um porto certo.

E para este norte a bússola é o ódio.

De um ódio que move montanhas.



(publicado em agosto de 2014)