terça-feira, 19 de agosto de 2014

# a baba e o espírito



A tese de Adolf Hitler -- ratificada pelas teorias que sempre trataram da psiquê humana -- era muito simples: nada une tanto um grupo díspar de seguidores do que o "ódio".

E assim o líder nazista construiu uma grande máquina na qual essa emoção negativa para tratar das subclasses funcionava com rara eficácia.

Por aqui, a negação do outro lado -- cujo teor fez surgiu, pós-Holocausto, a ideia da "banalização do mal" (v. aqui) -- também é alimentada, diuturnamente, por tvs, jornais, revistas, sites, rádios e para-choques de caminhão que mostram o pobre e o nordestino como seres inferiores, incapazes de terem seus próprios juízos.

A negação, partida de uma gente incapaz de pensar pelo lado esquerdo do peito e de sentir pelo lado humano do cérebro, funda-se no fetiche da meritocracia, digna daqueles bem-nascidos, ou na cantilena de que a sua consciência é a única ciente, a única com a ciência de avaliar o bem e o mal e de decidir os destinos do país.

Veem, pelos olhos platinados da tv, que o destino é ser "contra-tudo-isso-que-está aí".

Só esquecem de ver, com os olhos que a terra há de comer, que o destino deles não é o destino de outras dezenas de milhões de brasileiros mal classificados e que sempre foram -- e ainda são -- ultrajados pelas classes usurpadoras do Estado.

Os lancinantes discursos do Führer estimularam a paixão do ódio, tal qual os editoriais da grande mídia perante seu público-alvo.

E grande parte da nossa classe média -- medusicamente cooptada pelas teses reacionárias da elite -- comprou esta ideia, sorvendo o veneno produzido amiúde por todos os cantos midiáticos.

E o produto é o ódio, ódio babado e ruminado pela face pó-de-arroz nativa (v. aqui e aqui, nas palavras de Veríssimo e Bresser-Pereira).

Ora, o que sempre se percebeu no Brasil é a vontade de um Estado que tenha um só lado, que estanque a massa na miséria analfabeta e que pare de tentar ser de todos e para todos.

Essa é a nossa vontade secular, o desejo felino da nossa elite empedernida, tão desgostosa da ações populares e populistas e que na nossa história recente levou a matar Getúlio e a derrubar Jango para dar o Golpe.

Desta vez, quem escancara a divisão do país, o recalque social e a falta de espírito cívico, nacional e democrático das nossas elites são os governos Lula e Dilma.

E não ao contrário, como bem ilustrou Leonardo Boff (v. aqui e aqui).

Afinal, é o contrário da democracia, da soberania e da desigualdade que sustenta  as bases programáticas dos governos de direita e que dá asas à imaginação golpista de um udenismo ressuscitado.

Não à toa, a inveterada aversão por trás da contínua depreciação de um grupo político (e da incessante desconstrução da Política) tem por fim a retomada do status quo, a despolitização da vida pública, a apolitização do cidadão e o recrudescimento das "mãos visíveis" que algemam o Estado social.

É raiva de uma classe que jamais enxergou a realidade da "luta de classes", afinal, ora, ela sempre foi tutelada por governos que eram da sua classe, ao contrário da clara preferência que Lula e Dilma, do PT, fizeram nas suas campanhas, eleições e mandatos.

É o rancor pelo potencial fim de um exército de mão-de-obra barata, explorada e fruto dos processos de colonização escravocrata, de urbanização favelizada e, claro, de  educação talhada, retalhada e destroçada.

É, pois, o espírito da casa-grande, do patrimonialismo, da nobiliarquia e da sociedade estamental em estado bruto. 

Na contramão do mundo, a oportuna cegueira faz uma grande parte do Brasil ser conduzida pelos cabrestos interesses de quem na história sempre fez desta "terra" uma terra de poucos, agora sob os auspícios de um neoliberalismo que sabe à naftalina.

Mas, como se disse, é uma "cegueira branca", aquela da alegoria de Saramago (v. aqui e aqui).

Afinal, porque incapaz de querer ver (e poder reparar), não se faz a crítica honesta, coerente, técnica e politizada dos erros que este governo comete.

Não.

Hoje, a fúria que baba do canto da fala é patológica e, porque ilógica, ensaia o retrocesso, o regresso e o resgate de programas econômicos funestos e de políticas públicas nauseabundas.

A nau que pode voltar a nos conduzir, não sejamos tolos, tem um porto certo.

E neste norte a bússola é o ódio.

De um ódio que pode mover montanhas.