terça-feira, 27 de janeiro de 2015

# verdade, caminho e vida

 
 
Pelo Brasil a fé move montanhas de dinheiro, levado por um rebanho perdido no mar da ignorância e do desespero.
 
Antes, uma contestação: as igrejas neopentecostais têm uma papel importantíssimo no resgate da dignidade da nossa ralé e na recuperação dos abandonados de toda sorte – sem almejar um mais profundo juízo de valor, trata-se de um fato inegável que as qualificam nesta ordem social vigente e as credenciam a continuar os seus trabalhos.

Continuemos.


Para a lei não há milagres, afinal, o que não pode ser observado e explicado racionalmente não interessa à lei; contudo, isso não quer dizer que religião e crença não sejam importantes para a lei.


E a tênue linha que separa liberdade religiosa e laicização, de um lado, e má-fé e crime, de outro, provoca atritos e sublime discussão.


E não sejamos injustos: desde sempre a religião têm margeado por este segundo plano, a adotar inúmeros meios indignos de coletar fiéis.


Antes, nos tempos medievais, a Igreja Católica vendia terreno no céu, queimava "bruxas" e usava de toda a maldita criatividade para embutir na cabeça das pessoas que fora dela, e da submissão a ela, não havia salvação.


Mas, hoje, com a evolução social da (pós-)modernidade, bem aliada a toda a tecnologia midiática à disposição, as ideias que flertam com o absurdo, com o intragável e com o crime são sorrateiramente atacadas.


Há índia em Santa Catarina, há médiuns em Minas Gerais e, claro, há padrecos  e pastores por todos os centros e cantos deste país.


Basta, pois, correr pela rede para ver isso aqui, aqui ou aquie ter a (apriorística) certeza de que essas coisas não podem passar impunes por uma sociedade que se pretende justa e tutora da dignidade humana.


Bem, há dois artigos no Código Penal que indiretamente lidam com a exploração da fé das pessoas, catalogados no capítulo dos crimes contra a saúde pública.

O primeiro é o charlatanismo, uma espécie de mentira utilizando a crença do outro, na qual o criminoso inculca ou anuncia cura por meio secreto ou infalível.


É claro que simplesmente dizer que você pode curar alguém não é crime (se fosse, todos os médicos estariam presos); m
as dizer ou propagandear que a cura é infalível ou que você possui um meio secreto de curar as pessoas é crime.

O que se exige, pois, é que o "charlatão" saiba que ele não será capaz de curar a pessoa, que seu método não seja eficaz ou, ainda que eficaz, não gere cura garantida.

O segundo, o curandeirismo, que é diagnosticar, receitar, entregar ao consumo ou aplicar qualquer substância ou usar gestos, palavras ou qualquer outro meio de cura para tratar a doença de alguém – a
qui, o "curandeiro" efetivamente não sabe o que faz, diferente do "charlatão".

Ainda mais do que o primeiro, este segundo crime é muito complexo porque tangencia na liberdade religiosa.


A benção do padre, por exemplo, é uma forma de cura espiritual para os fiéis, como o uso das mãos é importante para os espíritas, as saudações e convenções para os muçulmanos, judeus, budistas, hindus... e até mesmo certos chás são sagrados para outros (v. aqui
 ou seja, usar gestos, palavras e meios diversos são veículos que quase todas as religiões ou seitas fazem.

Isso quer dizer que esses religiosos estão exercendo o curandeirismo? 
Não, na medida em que a Constituição protege os rituais de fé.

O limite – complicado, confesse-se – é quando esse ritual de fé passa a colocar a saúde (física, mental, social e financeira) das pessoas em perigo.


E o caso de quem pratica operações espirituais? Pode sim ser crime contra a saúde pública – tratar alguém com gestos, palavras ou, no que se encaixa, "qualquer outro meio” –, mas há quem discorde e entenda ser apenas lesão corporal, por admitir que as cirurgias mediúnicas não são similares a gesto ou palavra.


E se a pessoa está usando a prática criminosa para também tirar proveito econômico das vítimas? O "charlatão" ou "curandeiro" também comete estelionato, pois obtém, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento
.

Entretanto, de modo a manter a ordem constitucional que prevê a inviolabilidade à liberdade de consciência e de crença e que assegura, como direito fundamental, o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, são apenas nestes (extremos) casos que, com farto arcabouço probatório, o Ministério Público poderá intervir e resguardar o interesse público.

Fora isso, resta-nos a educação e a informação, pilares para o desenvolvimento intelectual, moral e, porque não, também espiritual da nossa sociedade.

Eis, pois, o caminho não metafísico da vida.