quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

# desaniversários


 
Na clássica obra de Lewis Carroll, o Chapeleiro Maluco ensina à Alice que ali no País das Maravilhas o que importava eram as festas de desaniversário.
 
Sim, comemoravam-se todos os dias (e não-dias), festejavam-se as bonanças diariamente, a cada roda de vinte e quatro horas se podia erguer um brinde qualquer à vida.
 
Não se esperava, pois, completar o tal ano para se acender velas. Eis a lição: o dia a dia não precisa esperar um dia determinado para merecer a celebração.
 
Na expectativa de se fecharem ciclos -- como a conclusão de doze meses --, prolonga-se e adia-se os momentos de efusividade, aguardando-se um dia oito de janeiro qualquer para solenizar as bendições da vida.
 
Como numa estranha e desmedida simbologia, reverenciar aquela tarde de um outono de abril parece pouco significativa diante do acontecimento pré-fixado, lá naquele nascimento, que insiste em colar pelo fim do seu tempo.
 
E assim várias das lembranças só teimam em vir nestes dias, as ações e reações só insistem em surgir com os seus típicos ares de esquisita espontaneidade nestas noites.
 
É como se o antes e o depois fossem meros coadjuvantes para o "hoje".
 
Mas este hoje, com o sombrio gesto de apagar as velas, morre, vira ontem.
 
E lá se vai outro período em que se incuba a felicidade de se homenagear a vida, chocando-a doze meses até o próximo bisado parabéns.
 
Velho, cada vez mais velho, aguarda-se a passagem circular dos ponteiros para bater palmas, em bigs ou pics que soam eternos, num ritmo contrário à lógica do universo.
 
Neste caminhar, tudo amadurece, envilece, amarela, engorda -- tudo torna o bolo figura caricata do seu próprio estado físico-anímico.
 
Mais ainda, com a rigidez do dia D, um sofrimento atroz desembarca para atacar e mortificar a memória trazida de quem se foi, fixando-se eternamente um dia para se lamentar a sentida ausência.
 
Ou, mesmo de quem ainda não se foi, pensar na singularidade de um aniversário machuca a solidão de quem, justamente naquela hora, resta exilado.
 
Ingrata, a data não se preocupa em distribuir ao longo da jornada o que de bom ou ruim lembramos.
 
Não, tudo fica ali, guardado, esperando, esperando, esperando... até explodir, na desordem caótica da nossa existência relojeira.
 
Em todo este contexto, portanto, a verdade que tenho é que fazer aniversário uma vez por ano é pouco.
 
Ou muito, a depender do momento etário.
 
Contudo, prefiro ainda acreditar na primeira versão: não se deveria esperar tanto para se festejar tanto.
 
Um viva, pois, ao desaniversário nosso de cada dia.