quinta-feira, 30 de outubro de 2014

# cegos e surdos



A hipócrita esquizofrenia do Congresso Nacional -- o nosso Poder Legislativo -- é de dar dó. 
 
Dó da população, é claro.
 
Naquele tal junho de 2013 (v. aqui e aqui), o pouco de real e verdadeiro que se pôde extrair das ruas foi que a população queria ser vista e ouvida, queria participar e colaborar nas ações públicas e na gestão da coisa pública.
 
O sinal foi claro, cintilante: a democracia exige mais que a mera representação.
 
E assim o Governo -- o Poder Executivo -- agiu, criando o Decreto nº 8.243/2014, que institui a "Política Nacional de Participação Social" (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) -- v. aqui o ato normativo e aqui ele muito bem resumido.

Com ele, a gestão pública mostra-se mais aberta ao diálogo e às demandas de movimentos sociais e da sociedade civil.
 
Sim, a "sociedade civil" -- e até abstraímos os movimentos sociais, que realmente exigem maior articulação e invariavelmente podem sofrer sob o poder das suas lideranças. 
 
Mas falamos da "sociedade civil": eu, tu, eles, nós, o bombeiro, o carteiro, o pescador, o professor, a parteira, a cozinheira, a dançarina, a vascaína... ou seja, a "sociedade", que, afinal, é a sociedade.
 
Entretanto, acreditem, o óbvio ululante não parece soar tão lógico assim para a turma que baba a ignorância do ódio e que está reproduzida nos editoriais, nas capas e nas cartas dos jornalões.
 
Junto a esta baba, moços e moçoilas da nossa Câmara de Deputados rejeitam -- e do nosso Senado rejeitarão --, com constrangedor orgulho, o Decreto.
 
E votam contra.
 
Não o querem.

Afinal, ora pois, a democracia sempre teve medo do povo -- e a direita tem especialmente medo da democracia, como aqui analisou Paul Krugman.
 
E a maioria do Congresso Nacional crê nisso, de verdade, uma vez que é difícil acreditar que refutaram o Decreto como mera estratégia política para mostrar ao Governo reeleito "quem é que manda".
 
Ao cabo consideram a medida antidemocrática e inconstitucional.
 
Julgam que tal participação é comunista, chavista, chantagista, xamanista...
 
"É coisa de pornochanchada", os mais exaltados comparam.

E insistem em deixar o povo bem longe do poder, como aqui se explicou.

Vejam, meus caros, que se está a conceder o mínimo do mínimo da mínima abertura política e o clamor é, justamente, ao contrário, revelador manifesto do medo das massas.
 
E vamos além.
  
Tal medida é mero embrião de uma democracia que já se vê desgastada, enfraquecida e desacreditada -- é a pequena solução para a tal "crise de representação".
 
Esta democracia representativa -- embora essencial e sem qualquer pretensão de deslegitimar a sua capacidade de expressar a soberania popular --, urgentemente exige o diálogo e a convivência contínua e habitual da participação direta, nas formas participativa e deliberativa, como a Presidenta Dilma está a propor.
 
A construção destes novos espaços democráticos e o ingresso de novos atores políticos e sociais apartidários -- ao contrário do que se está a anunciar -- apenas fortalece a representação popular e as instituições republicanas. 
 
Ora, a partir da Constituição de 1988, os governos que se seguiram -- especialmente na gestão Lula -- têm institucionalizado a participação e deliberação popular, nas formas mais tradicionais, como o referendo e o plebiscito, ou naquelas menos conhecidas, como as conferências nacionais de políticas públicas, os conselhos nacionais e locais, as audiências públicas e as ouvidorias.
 
Porém, como se sabe, tudo muito aquém do que a democracia pode exigir. 
 
E quando se pretende dar um pequeno passo à frente -- mas um grande passo para a sociedade --, de modo a permitir que as pessoas envolvam-se um pouco na formulação, execução, monitoramento e controle de políticas públicas, o avanço é brecado
 
E quando se quer iniciar um processo de entronização do povo nas discussões do Estado, fomentado que os cidadãos participem e deliberem sobre as questões públicas para além do exercício do voto, a ação é bastarda.
 
E quando se busca de permitir que a cidadania e a democracia não se esgotem nas eleições, estimulando a presença participativa e deliberativa da população de forma sistemática e aprimorando a relação do governo com a sociedade, o resultado é broxante.
 
Enfim, bem se sabe que a frustração não pode ser uma novidade na realidade social e política brasileira.
 
Logo, esta imagem da grande mídia e da direita bovina, babando em êxtase diante da  intervenção legislativa que derrotou o Governo e fingindo que não vê e não ouve o povo nas ruas, deve servir como mais outro exemplo de como o jogo deve ser jogado.
 
E de que lado estão as peças neste tabuleiro.