quinta-feira, 12 de junho de 2014

# pátria de chuteiras


Vai começar.

Sessenta e quatro anos depois, finalmente o país deu um jeito  e se deu o direito  de ser, literalmente, o país do futebol.

O maior espetáculo da Terra na terra da sua mais ilustre gente, que fez do futebol a sua máxima expressão cultural e desta a sua maior identidade planeta afora.

Não é pouca coisa.

E o Brasil mudou, cresceu, amadureceu.

Mas nem tanto.

A partir de hoje, a cada momento em que aqueles onze caras pisarem no gramado, perfilarem-se para o hino nacional e se prepararem para a batalha que se sucederá, seremos inadvertidamente imaturos, imberbes sorvidos pela crua comoção de uma Copa do Mundo.

Sob a mais irracional paixão, seremos dominados pela emoção do velho e rude esporte bretão em seu traje de gala, com todas as pompas e circunstâncias.

Transpiraremos como nossos laterais, berraremos como nossos beques berram, xingaremos como volantes brucutus, festejaremos como festejam os avantes artilheiros e daremos suspiros tal qual nosso goleiro salvo pelo gongo da trave. 

De joelhos, uns farão figas e acenderão velas, na eterna certeza de que aquele gesto vai mudar o jogo, vai mexer a bola ou vai ser um mero vodu em face da ameaça inimiga.

De eterno e surrado suéter verde, pantufas amarelas em pés trocados e a mesma briosa bandeira engomada a tiracolo, outros manterão rituais sem qualquer sentido senão o sexto sentido da fé, do axé, da mandinga, da intuição ideológica e sem freios.

Gritos toscos, roucos, febris, frívolos, glóticos, guturais e juvenis, em uníssono, movem e unem uma família inteira, um mundo inteiro tropical e abençoado chamado Brasil.

E novamente aqui da nossa casa, em nossa casa, no nosso caminho, em nosso solo tão gentil. 

Haverá festa na cumeeira, nas ruas, nos barracos, nos bares, nas calçadas, nas praias, nas margens das ribanceiras enfeitadas com as cores da nossa gente... tudo sob um aparente mistério como sói acontecer a cada quatro anos, nesta coisa mágica que, mesmo sabendo que além de tudo engorda, acaba por nos enfeitiçar, nos engolir e nos fazer quase duzentos milhões a postos, pra frente, ao ataque e na defesa do nosso pavilhão.

Enfim, a nossa pátria, em raios fúlgidos e vívidos, em campo estará pelos próximos trinta dias.

E o mundo vai parar para nos ver em ação.

Salve, salve, a seleção!  


quarta-feira, 11 de junho de 2014

# malígrina


Depois de 2006 jurei nunca mais fazer juras de amor pelo futebol da seleção canarinho.

Aquele escrete  circense, negligente, fanfarrão e desidioso  formou as nossas "chuteiras apátridas", que provocaram traumas, ódio e lições (v. aqui).

Passou 2010 como se jamais houvesse acontecido, a ficar esquecido no tempo como ficou aquele 1990.

E cá estamos na Copa do Mundo no Brasil.

Entre tantos desgostos, misturada a tanta contrariedade e temperada com muito dissabor, aqui estamos na nossa Copa do Mundo.

Sim, vingaremos 50.

Vingaremos cada Barbosa, Ademir, Friaça, Zizinho e Jair, chuteiras da nossa pátria de 64 anos atrás; e vingaremos o nosso povo, os nossos tantos avôs que choraram aquela guerra perdida, como muito bem aqui já se escreveu. 


Cada minuto sangrado, cada lágrima largada, cada coração partido por aquela derrota será devidamente vingado agora, ao vivo e a cores.

E disso não tenho dúvidas.

Não só pelo que ocorrerá dentro das quatro linhas, mas pelo clima de festa e guerra, ideias antagônicas que bem devem preparar e temperar uma Copa do Mundo em casa e que parecem pairar no ar.

Salve, a seleção!


segunda-feira, 9 de junho de 2014

# réguas


Aqui já dissemos: no Brasil a criminalidade e a desordem são pequenas. 

E me refiro aos crimes contra o patrimônio, coisas como furto, roubo e extorsão, e às greves e manifestações que discutam trabalho e salário.
 
Ora, o que se vê é fruto muito miúdo diante da nossa desigualdade, incomparável mundo afora, inimaginável em qualquer sociedade minimamente decente.
 
E recentemente mais um dado que me colabora: a única capital nordestina que não está entre as 20 cidades mais violentas do país é... Teresina, no Piauí.
 
Sim, a capital do Estado mais pobre do país não figura na lista de um trabalho promovido por uma ONG mexicana (v. aqui).
 
Não creio que seja pelo exímio aparato policial; tão-pouco que seja resultado da máxima eficácia da gestão pública piauense; e, menos ainda, que represente um povo melhor abastecido de educação, de saúde e das necessidades básicas.
 
A tese é que lá a "desigualdade" é menor, resultado de uma generalidade pobre, sem bolsões de riqueza, com (quase) todos num mesmo nível de escassez.
 
É o que acontece com as grandes nações ricas do Atlântico Norte, com (quase) todos num mesmo patamar de abundância e nas quais a desigualdade é mínima – e, tal qual, os índices de crimes e desordem.

Somos, pois, o avesso do avesso do avesso.
-- x --
 
Para além disso, se nota nas capitais arranjos para a paralisação geral de motoristas, cobradores e de toda a gente que trabalha nos ônibus, metrôs e trens das grandes cidades.
 
Primeiro, não se esqueça que uma coisa é a greve de servidores públicos – em regra, uma atrocidade e um não-fim em si mesma (v. aqui); outra, bem diferente, é a greve daqueles que trabalham em empresas que (mal) prestam serviços públicos.
 
Mal prestam os serviços, mal remuneram e mal dão satisfação do que fazem, em regra (des)reguladas pela falácia da regulação.
 
Ao cabo, querem os trabalhadores grevistas condições e salários mais dignos para o trabalho – no mínimo, e ao menos, proporcional às fortunas que os seus patrões (os senhores concessionários de serviços públicos) amealham com os contratos que detêm à nossa revelia.
 
E convenhamos: se este é o propósito, a massa está absolutamente certa.
 
Afinal, enquanto a picaretagem nas licitações e nos contratos que envolvem o transporte coletivo persistirem – v. aqui sobre a máfia dos ônibus , jamais a sociedade (e, também, os trabalhadores) poderão estar minimamente satisfeitos no atendimento das suas necessidades.
 
Já passa da hora de o Estado esclarecer à população como isso tudo funciona e escancarar as as engrenagens sujas de uma graxa vezeira em manchar o interesse público.
 
Porém, para isso acontecer, será necessário que nossos comandantes, chutando a porta e erguendo a mesa, se convençam de abrir mão dos milhões ofertados por tais "grupos empresariais" para financiar as campanhas eleitorais.

Resta-nos, pois, rezar pelos nossos mártires.

 

domingo, 8 de junho de 2014

# do pó


Meus poucos (mas fiéis) leitores, só os profetas enxergam o óbvio, cunhou Nelson Rodrigues.

No rádio, na tv, na rede, nas bancas, na calçada, nos sonhos, vê-se tudo mirar o Brasil, mas tudo mira mais ainda esta minha aldeia, o onphalos nestes trintas dias que nos seguirão.

Copacabana borbulha, queima, arde, sufoca, contamina, pulsa e quase explode.

E vai ficando cada vez mais frenética, indecente, barulhenta, gosmenta, multicolorida.

Verde-amarelo a todo canto, em toda esquina, em todos os milhares de bares que a cada passo me atropelam, me sugam, me desassossegam.

Nela se escancara o óbvio da brasilidade, a explicitar, a eclodir e a fazer a nossa espuma de pátria amada brilhar em raios mais fúlgidos. 

E eis-me aqui, nesta capital do Brasil, neste Rio de Janeiro (e de todos os meses do ano), a morar neste bairro e a ter como meu literal quintal esta mais amada praia desta maravilhosa cidade do mundo.

Pois é, ano passado já tive uma especial visita, cuja jornada aos arredores me tentaram fazer compreender isso tudo (v. aqui).

Mas é só agora, no microcosmos deste caos, que finalmente o enxergo.

Salve, salve a Copa.


quinta-feira, 5 de junho de 2014

# quatro linhas e as hipotenusas


Com base em um discurso hipócrita, vazio e dissociado da realidade, os clubes de futebol estão reproduzindo, em massa, o fetiche da gestão.

E, junto com ela  e no lado oposto ao interesse maior  a babaquice está a imperar em cada setor, a elitização em cada atitude e a precarização do futebol em cada compromisso com o mercado.

Insiste-se, pois, em um clube sem o povo, sem o torcedor e sem um time  e isso, meus senhores, não é um clube de futebol: é uma mera organização.

E, pior, uma organização que não pode acreditar na fantasia do "sem fins lucrativos", pois é notória a mercantilização do negócio, que nas entranhas dos clubes beneficia, num círculo vicioso, dirigentes, empresários, patrocinadores e meia dúzia de boleiros. Ou seja, uma entidade dissimulada, uma fraude, um faz-de-conta sem final feliz.

Ora, a falácia da contabilidade azul, da gestão financeira pós-moderna e da contratualização fabulosa de tudo, além de mascarar o cotidiano sórdido de maracutaias sem fim, ocupa o espaço inamovível do campo, da bola e dos jogadores, autênticos e sacrossantos entes do velho e rude esporte bretão.

Não se prega aqui a crise, a bancarrota ou a picaretagem nos atos e nos intestinos dos clubes (v. aqui e aqui).

Mas, sim, quer-se o resgate da verdade e da razão de ser do futebol: um time e a sua torcida.

Um time que seja para a sua torcida, e não feito de jogadores escalados por interesses financeiros a mando de donos bufões e seus compromissos pessoais, por ordens televisivas ou por  convenientes intelecções técnicas.

E uma torcida que seja da sua gente, do seu povo, e não reduzida à nata social, com suas camisas oficiais de cem dólares, seus tickets a preço de ouro, suas bocarras de fast-food e seus flashs sincronizados com redes sociais e distantes do campo de futebol.

Há de se ter em vista que o nosso exemplo não pode ser os esportes profissionais estadunidenses, cujos tipos e fins são outros, intimamente ligados aos gostos, padrões e ideais ianques.

Afinal, o nosso mundo é o futebol, sobre a nossa cultura e como nosso patrimônio.

Chega de "arenas", de "balanços superpositivos", de "chuteiras coloridas", de "marketing", "pirofagia" e "malabares".

Chega de super-receitas para supérfluos times, de ingressos com valores nobiliárquicos e de menosprezo às tradições, à torcida e ao trato com a bola.

O futebol brasileiro quer times e torcidas, quer jogadores e estádios, quer, em suma, futebol.

Para o resgate da nossa própria gente e da nossa alma.


quarta-feira, 4 de junho de 2014

# um certo barbosa


Chega o fim da era Barbosa.

Injustiçado, polemizado, criticado.

Jamais bajulado, fetichizado, dissimulado.

Macambúzio, hábil, corajoso e incompreendido.

Jamais arrogante, falastrão, pernóstico e desequilibrado.

Infelizmente ele se foi, e carregou com ele as censuras de todo um Brasil em suas costas.

E jamais teve consigo a glória midiática, reluzente, platinada.

Sim, chega o fim da era do grande Barbosa, o goleiro negro de 50 que chorou a falha até o fim da vida e cuja falta sempre lembramos para neste histórico momento enfim querer expurgar.

E não de outro, de prenome Joaquim, que sai da história para alívio da ordem republicana e judiciária.

A era agora é a de Júlio Cesar, goleiro de quem a nossa nova Copa vingará a tragédia da era passada  como aqui, inclusive, já muito bem se vaticinou.

E não mais a época do déspota do Império Romano, nestes tempos travestido num outro negro que só agora se vai, a disseminar vinditas e trágicas decisões, remoendo ranço e rancor.

Sim, não tenho dúvidas.

Os deuses do futebol hão de fazer do nosso Júlio a redenção daquele nosso arqueiro Barbosa.

Enquanto a Deusa Têmis ainda chorará os desatinos do outro Barbosa e seu arquétipo à imagem e semelhança do Júlio romano.


segunda-feira, 2 de junho de 2014

# odisseia viva


Rever ou reler aquilo que já revimos ou relemos inúmeras vezes geralmente tem um motivo para além do simples prazer de novas visões ou leituras.

No meu caso, ter revisto "2001: uma Odisseia no Espaço" – a obra máxima do maior cineasta de todos, Stanley Kubrick  foi pelo seu lançamento em blu-ray e toda a tecnologia de som e cores que a nova mídia oferece.

Já havia visto em VHS, em DVD, na TV e, quando da morte de Kubrick, na tela do cinema, em sessão especial oferecida pela Cinemateca de Curitiba  e, desde já confesso, essa última experiência continua sendo a melhor, pelo simbolismo do momento, pela macrointensidade da tela e do som e pelo ambiente sempre especial de uma sala de cinema.

Já assisti meio dormindo, meio com a obrigação de cinéfilo, um tanto quanto ébrio, com ares de estudioso do cinema, pouco empolgado, muito animado, enfim, a incursão por "2001" tem sido bastante variada, a provocar, porém, sempre a reação de se viajar para além da imaginação, e a cada vez por caminhos diferentes.

E, ontem, mais uma vez, o filme foi um desbunde para os olhos.

Afinal, é justamente este o maior fim da obra proposta por Kubrick: criar uma experiência visual que se desviasse do campo das palavras e penetrasse diretamente no subconsciente com um teor emocional e filosófico.

Kubrick insistiu, sempre, em não colocar legendas exegéticas para o filme, tão-pouco roteiros explicativos – negava-os, peremptoriamente. 

Para ele, o filme projetava-se para ser uma experiência subjetiva, intensa, que atingisse o espectador num nível profundo de consciência, exatamente como a música faz  não por acaso, imagem e som formam um único e inseparável meio para olhos e ouvidos. 

Assim, cada um está livre para especular e viajar como quiser sobre o sentido filosófico e alegórico do filme, o que provoca calafrios em muita gente que não suporta ter que desbravar este campo sem a muleta de uma sinopse comentada, a compreensão explícita do roteiro ou as placas anunciativas dos diálogos óbvios, redondos e fechados.

É cinema, é arte e é uma baita forma de deixar a mente pulsar, de abrir as portas.

2001... não é apenas sobre máquinas e inteligência.

É sobre a humanidade e a afeição.

2001... não é uma simples viagem pelo espaço.

É uma odisseia para dentro de você.


Afinal, qual evolução?