quarta-feira, 24 de novembro de 2010

# medo?

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dsNuma escala (um pouco) maior, o que acontece aqui no Rio nada mais é do que aquilo que, a todo instante, pinta nas periferias e subúrbios do Brasil, embora em ritmo mais lento, menos intenso e com menos holofotes.
fdsNa região de Colombo ou da Fazenda Rio Grande, na área metropolitana de Curitiba -- aquela cidade autoproclamada (e autoanunciada) como a Estocolmo tropical --, todo dia vê-se dezenas de aberrantes, aterrorizantes e absurdos casos de violência, de selvageria e de criminalidade, mas, não com carros queimando, e sim com corpos queimados, retalhados, decapitados...
fdsE o curioso é que o incessante alarde que se promove hoje, pelas seis da tarde, no Rio de Janeiro, parece partir daquela mesma gente que, nos dois últimos anos, considerou a Gripe H1N1 (a "suína") a oitava praga do Egito (v. aqui, aqui e aqui).
fdsCapitaneada pelas bandeiras da grande mídia, a nossa própria gente dissemina o pânico, o desespero e a solidão.
fdsAqui, ao lado, colegas de trabalho, em poucos minutos, fazem dezenas de ligações para os seus, exigindo que todos agissem como se num estado de sítio, numa terra em transe tomada por zumbis. "Vão para casa!", "Tranquem-se lá!", "Não aceitem doce de estranhos!", pregava um dos mensageiros do apocalipse. O que pensam, ora pois?
fdsSabemos da gravíssima questão do narcotráfico -- v. aqui, aqui, aqui e aqui o que já se faz, de concreto, humano e desenvolvimentista, como alternativa à nossa gente que sofre nas favelas, e aqui e aqui uma das soluções reais para o negócio virar um "negócio" -- e das consequências que advirão da cirúrgica e cada vez mais intensa política pública das UPPs -- como, especialmente, a debandada marginal para os subúrbios e o interior do Rio e a simples alocação dessa força bandida para outros tipos de crimes --, cujas reações organizadas são, sob essa ótica, absolutamente esperadas; porém, mais do que isso, esta sensação de mal-estar e de vulnerabilidade apenas corresponde ao atual estado de coisas em que, encastelados, vivemos.
fdsE mais. Traz à luz outra variável, indireta, encrostada no comportamento de boa parte desta gente, desta midiática sociedade pós-moderna que dá ouvidos (e a alma) aos jornais nacionais e aos datenas, mas que jamais crê nas sérias e competentes autoridades públicas, como assim se mostra o secretário de segurança carioca para o caso presente ("Não entrem, por que não precisa e não se justifica entrar, em pânico!", repetiu ontem doze vezes), e se mostraram o secretário da saúde paranaense e o ministro da saúde para o caso da pseudogripe dita espanhola ("Nada de desespero, pois é menos perigosa e mata muito menos que a gripe comum!", repetiram aos borbotões).
fdsRegize-se: não significa que não desconfiemos que, com o aprofundamento das UPPs e a reestatização da segurança e do espaço públicos, a guerrilha civil-social definitivamente chegará e que se terá que viver, por longos dias, numa mini-Bósnia (v. aqui); porém, o momento ainda não é este.
fdsO Estado prepara-se e, definitivamente, parece que não retroagirá, não se omitirá e não negociará. Porém, tudo planejado e implementado com cautela, parcimônia e responsabilidade.
fdsOra, o Estado não pode disputar quem é mais violento ou brutal, mesmo numa situação de limite, afinal, é muita, muita, muita gente do bem que habita e (sobre)vive nos pobres morros e que está nos tiros cruzados disso tudo, vizinha da escatofagia social e imersa, coagida na lama da bandidagem. As ações, portanto, têm de ser pensadas, sérias, calculadas. Mas tem de, claro, serem "ações".
fdsNas circunstâncias atuais, porém, ao pregar a intolerância humana, o caos urbano, a covardia estatal e as trevas no fim do túnel, caminha-se para uma sociedade cada vez mais reclusa, conservadora, arcaica, alienada e irresponsavelmente social. E, nunca, nunca é um bom caminho.
fdsEsta sensação de agora, portanto, tão animadamente propagada por aquela mesma turma de sempre, parece apenas fazer clarear a tese de Simone de Beauvoir: "a ideologia da direita é o medo".


fds