quinta-feira, 4 de março de 2010

# zé xede


Ele trabalhava (quase) ao lado de um ser "com dorso duro e inúmeras patas".
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Mais do que isso, avizinhava-se de um ser vil (e, claro, nunca um servidor).

E assim ele tinha, cotidianamente, por detrás do muro baixo, o ar de um idiota de dorso duro e inúmeras patas, cuja estupidez era quase extrema, a ignorância pulsante, a utilidade quase nula e o caráter inexistente.

Em suma, era uma espécie típica daquela raça, que parece ainda longe da extinção.

Era invejável e incrível como a besta não sabia de nada.

Não dominava uma única ciência, e, mal-e-mal, conseguia escrever a língua-mãe.

Porém, não poderia ser injusto: a sua madre superiora gostava de, nas entrelinhas, dizer que ninguém carregava tão bem as malas e ninguém pedia tão bem uma carona.

Era uma chefe contida, via-se.

Na verdade, ninguém sabia tanto como puxar um saco, como passar um tempo à toa e como fazer arranjos escatofágicos. 

Afora isso, fazia o ócio, puro, não criativo.

E neste ritmo agradava a maioria daqueles que colambiam as sobras dos frutos proibidos e desagradava aqueles que não tinham o direito de desgostar.
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E, entre os momentos em que não fazia nada, dissimulava a participação em convenções intergalácticas -- vez que, senão o silêncio, os comentários eram extraterrenos -- e passava horas e horas entretido com a sua anteninha, falando num daqueles tons asquerosos de quem fuxica, pensando ser inescutável

Mas nem isso percebia.
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Assim, além do peculiar cheiro, todos em volta também percebiam o teor dos assuntos de que tratava: futilidades e outras coisas típicas de ungulados hermafroditas, conforme ensina a literatura.

Entre discutir o uso do tênis de jacaré do filhote, pedir favores imorais, combinar arranjos carnais e encomendar bolos para os banquetes vicinais, o dito cujo pensava-se, além de inodoro, invisível.

Mas não, isso não.

Parecia, na verdade, um novo tipo de fantasma: um pestilencial e fedido fantasma em carne-e-osso, daqueles que, quase microscopicamente e com nenhuma alegria, costumam assustar nos trens-de-terror.

Era, vê-se, um dia a dia de show, mas de horrores.

E ele, na expectativa de pôr fim à assombração de carne e osso, não via a hora de, um dia, ver a criatura isolada num canto e então poder usar a ponta fina do seu sapato novo, para a própria alegria e para a felicidade geral da nação.

Sim, ele seria um herói ao esmagar aquele verme mal-cheiroso.

Um verme muito abaixo de um zé ninguém.