quarta-feira, 8 de abril de 2009

# socialismo cristão


Diversos colegas estranharam a explícita associação feita neste título, e outros tantos parecem não ter compreendido o próprio espírito da Teologia da Libertação, exposta aqui nos últimos dias.

Bem, a Teologia da Libertação nasce na América Latina num contexto histórico muito bem definido:

(i) numa perspectiva sócio-político-econômica, com o peso das ditaduras militares, a dependência político-econômica em relação ao Primeiro Mundo e, especialmente, as graves e crescentes desigualdades sociais, com ricos cada vez mais e pobres com cada vez menos;

(ii) numa perspectiva intelectual-científica, com a análise do cenário vigente sob a ótica da teoria marxista – não obstante tendo como premissa fundamental a Palavra de Deus –, a dissecar a partir de suas entranhas o funcionamento da acumulação capitalista, expondo a nu as contradições do (neo)liberalismo econômico nos países subdesenvolvidos (concentração, pobreza e exclusão social); e,

(iii) numa perspectiva eclesial, com a tentativa da Igreja entrar em diálogo aberto com o mundo moderno (“Concílio Ecumênico Vaticano II”), com o enfrentamento às recôndidas verdades latino-americanas e os discursos sociais combativos (“II Conferência dos Bispos da América Latina e Caribe”) e com a criação das “Comunidades Eclesiais de Base” (CEB's), que passam a uma militância ativa pela transformação das estruturas sociais injustas, mediante uma leitura da realidade à luz da Palavra de Deus e a busca de soluções concretas para os problemas reais, em luta contra a dominação política e a pobreza econômica.

Assim, parte da Igreja Católica busca resgatar os ideais primitivos e verdadeiros do pensamento cristão, a consolidar a "opção preferencial pelos pobres" – conforme hoje também se prega na “Carta de Puebla” – e a desenvolver uma reflexão crítica da sociedade e dos Estados a partir da práxis libertadora dos cristãos. Neste ponto, inclusive, Juan Luis Segundo – um dos maiores teólogos latino-americanos – traz o conceito de “círculo hermenêutico”: a consciência sobre a realidade opressiva leva a uma prática libertadora, a qual alimenta uma reflexão teórica que, por sua vez, retroage sobre a realidade, renovando e aprofundando a ação social e política.

Esse conceito de “liberdade” pregado pelos teólogos da libertação não se subsume ao ir e vir, conceitos amplos da liberdade (a liberdade de). Na verdade, busca no “Livro do Êxodo” o cimento religioso e ideológico para o combate à opressão, à miséria e à desigualdade, aspectos fundamentais a serem combatidos pela real consecução da liberdade para.

Por conveniência do próprio comando vaticano, as teorias, as teses e as vontades encrostadas na “Teologia da Libertação” foram perseguidas, minadas, combatidas e ignoradas, à medida que a aliança aos donos do poder (e às elites, de maneira geral) e as benesses dela advindas eram mais convenientes; todavia, em diversos meios, os seus propósitos renascem e reerguem-se diante da imperiosa necessidade de se prosseguir no combate à miséria, à desigualdade e à exploração exacerbada do ser humano e da biodiversidade, ambas a visar à mera acumulação do capital.

Hoje, as vítimas deste individualismo espetacular, fruto do neoliberalismo criado pelo redivivo capitalismo não são menos numerosas nem menos sacrificadas do que todas aquelas vítimas que padeciam sob os regimes de exceção latino-americanos; afinal, qualquer tipo de ditadura, seja militar ou do mercado – patrocinada pelas elites, pela mídia e pelos agentes públicos conservadores e da direita –, deve ser combatida por quem se diz cristão.

No testemunho radical da cruz, Jesus Cristo descobre o rosto de Deus ao descer ao inferno do sofrimento humano, por um lado, e, por outro, ao partilhar das alegrias e sonhos da população mais pobre, indefesa e excluída. 

E nós, até quando restaremos cegos para descobrir a nossa cruel e injusta realidade, para enfim fraternizar nossas alegrias e riquezas?

Neste ponto, mais do que nunca, a Teologia da Libertação mostra-se viva e fundamental para orientar os cristãos a renovar os ideais de socialismo, igualdade e partilha, buscando sempre pautar as suas condutas na opção preferencial pelos pobres, já muito mais significativa após as mais necessárias reflexões deste período quaresmal.