quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

# êta!

... e eu, eleito expontaneamente eremita e em efúgio, estou enlouquecendo e emarelecendo, em explícito e encarnado exemplo extremo-europeu, entusiasta e espantado em enxergar esse estado enredado em escuridão. enfim, esta estada embebe-me em exclusivos escritos, em entranhos e escusados estudos... exorando, ébrio em emoção, este expectável epílogo; e, enquanto essa efemeridade empenha-se em se espaçar, espero, esperançosamente, esta eterna época extra-terra encerrar-se, estando, então, entusiasmado, eufórico e em explêndido êxtase....

sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

# cartas aos amigos bem depois de 74



Daqui, longe da terra, a lembrança dos amigos faz sair daquela bela carta do Vinícius ao Tom algo mais ou menos assim...

Coimbra, 19 de dezembro de 2005.

Amigos Queridos,

Estou aqui, num quarto de pensão, que dá para um mosteiro, que dá para toda a solidão do mundo.


São 10 horas da noite e não se vê viv’alma. 

Meu avião só sai em março e é impossível alguém estar mais triste do que eu. E como diferente de sempre, nesta hora, escrevo para vocês uma carta que, finalmente, irei mandar-lhes.

Deixei Londres para trás com pouca saudade de algumas semanas de pesquisas, estudos e festas e pela frente tem o Brasil, que é uma paixão permanente em minha vida de ora exilado.

A coisa ruim é que hoje é quase Natal, a data maior, e sei que em algum lugar de nossa cidade haverá uma festa que me cairia muito bem, com todos vocês mandando brasa nos comes-e-bebes, nas conversas e nas musiquinhas. Pois é, com certeza queimaríamos um óleo firme...

Vocês já passaram um 24 de dezembro, amigos, sozinho num país estrangeiro, numa noite sem qualquer perspectiva? É fogo maestros...

Estou doido para ver vocês e recomeçar a trabalhar. Imaginem que este ano foi praticamente dedicado à tese, pois Coimbra não é brincadeira.

Mas agora o tremendão aconteceu mesmo: esta histórica cidade teve que se curvar. Estou a fazer uma obra interessante – modéstia à parte, naturalmente – e vocês vão ver, deu um trabalhão.

Parece até que quando você apresenta trabalhos longe de sua terra algum sentimento patriótico está em jogo, não é engraçado... Mas, como diria o Sérgio Buarque, são as raízes...

Vou agora escrever para casa e pedir dois menus diferentes para a minha chegada. 

Para o almoço, uma feijoadinha com farofa de bacon, bistequinhas de porco (bem tostadinhas), uma couvinha mineira, e doce de coco. 

Para o jantar, um grande churrasco com direito a aperitivos, uma farofa bem soltinha, e papos de anjo... mas daqueles que só a mãe da gente sabe fazer. Daqueles que se a pessoa fosse honrada mesmo, só devia comer metida num banho morno e em trevas totais, pensando, no máximo, na mulher amada. Por aí vocês vêem como estou me sentindo... nem cá, nem lá...

Fiquei muito contente com o sucesso das tarefas, dos trabalhos e das traquinagens de vocês por aí. E a vindoura filha do Jeco hein... que negócio tão direito! Vamos ver se desta vez o rapaz toma jeito...

Fiquei muito contente também com a notícia do insucesso do Coritiba aí no Brasil. Dizem que estão achincalhando o timinho pra valer! Isso me alegra muito pelo Baiano, pelo Neto e pelo Black... e pra que mentir, por mim também! É bom saber que aos poucos este time vai sendo esquecido, que o povo passa a ficar cantando outras coisas... pois, no fundo mesmo, é para o bem deles que aquele time se decompõe.

Ainda, por ser quase época de Copa do Mundo, lembro-me tão bem quando fizemos um samba, uma madrugada, na praia, há uns seis anos atrás, por aí... Eu disse a Chico, a Zappa e a Gerson: “Isso tem pinta de sucesso!”.

E ficamos dançando e cantando samba, até o sol raiar...



terça-feira, 6 de dezembro de 2005

# gralhas e coxos (ou "à la recherche du temps perdu")

Vila Capanema, 4 de dezembro de 2005.
Tenho sempre sido encarado como um patinho feio, horroroso. Uma desgarrada ovelha negra, obscena. O burro primo pobre. A zebra indecorosa e estúpida. Ou mesmo o cão pulguento, sem dono, sem lar.
Hoje, alegre, e com um sorriso malandro e de viés, posso assegurar que sou apenas uma gralha rubro-celeste que sobrevoa todo este acontecimento à distância e, quase de camarote, enxerga tudo por cima, a rir. Vaticino que a vingança, à galope, veio e ficará.
Por anos e anos estive embaixo, desprezado e mal-amado por tudo e por todos, pelos media e pelo povo; na verdade, por poucas vezes - e vezes tão somente regionais - estive a vê-los por um ângulo diferente deste.Eis que, deste domingo e pelos certos próximos trezentos-e-sessenta-e-tal dias, o verde-e-branco curitibano afunda no lado b, na paisagem obscura, na vida baldia do rude esporte bretão nacional, lá mesmo onde as luzes são poucas, não há graça, ninguém é feliz.
Zoam e caçoam da nossa vida em kombis, da nossa relva de várzea, das nossas equipas de aluguel e da nossa curta história; humilde e quase-réu confesso, sempre segui em frente, à espera de um grande dia, deste grande final de tarde.
Não sei do meu futuro, disse ter um muito breve passado, mas meu presente é, agora, em outra dimensão, pois posso afirmar, categoricamente, que, nesta seara, pelo menos em todo dois-mil-e-seis, não estarei a conviver com a turma de baixo.
E pior - para eles - foi querer o destino que o momento para a queda fosse este, que significará longos anos de espera para voltar a ver a luz. Pode escrever: tal qual no mundo, em pindorama o futebol está completamente nivelado, são ossos duros e equilíbrio intenso.
Resultado: os coxas penarão e clamarão pelas almas-penadas de outrora, amargarão no futuro esta decepção do presente e contemplar-se-ão com os versos de vida, minha vida, olha o que é que eu fiz...
Temo pelo que resta dos seus torcedores com menos de trinta-e-dois dentes, que pouco viram do sol mas que sofrerão com a constante presença sombria de um longo inverno, um inferno.
Trata-se, talvez, do mais certo reflexo do mundo, que gira, que dá voltas. Dos anos sessenta até oitenta-e-cinco, toda a minha árvore genealógica, ainda que sob outras insígnias, padeceu o infortúnio das glórias do ex-glorioso. Finalmente acabou.
De agora em diante, sine die, os seus adeptos necessitarão viver as agruras de uma divisão de segunda e de jogos na terça com (e contra) times de quinta, excitar-se-ão apenas com os desprezados títulos domésticos e vibrarão com o consolo de torcer pelos infortúnios de nossa gente humilde e de nossas cores que figuram na primeira-classe.
Ass.: João da Silva, um paranista.