quinta-feira, 16 de junho de 2005

# a saga de ouragan I - uma incrédula joaninha

Era uma vez.... A princípio, éramos cinco. Apreensivos e desconfortáveis, visto sermos estranhos àquele ninho, chegávamos àquele distante castelo para acompanhar algo mais do que um simples jogo de gamão, de sorte e de contas, embora a conta de sorte de Carlton, um sempre otimista, apostasse em um solitário empate que garantiria a classificação do fidalgo atleta-gladiador do nosso feudo, o feudo de Ouragan.
A postos e ainda a lamuriarmos a presença em solo adversário (que nos colocava à léguas do feudo doméstico), a ausência de um competente competidor (que nos colocaria em uma situação mais confortável, otimista e à altura das nossas tradições) e a desfaçatez e o menoscabo com que todo o grande Reino tratava-nos (que nos colocava palmos abaixo da mediocridade), tínhamos apenas o consolo de Mars Field, um nobre mais experiente nestes tipos de batalha e que fazia questão de nos estimular e oferecer um auto-exemplo de antigas glórias nos jogos daquele campeonato (dois títulos), a ratificar que a postura e o ímpeto impostos por Ouragan à partida seriam preponderantes e definiriam um salutar resultado final.
Antes do início, um lapso de alienação fez-me perceber algo estranho na mesa central da batalha. Como a miopia não me permitia conceituar aquilo, achei por bem ignorá-lo, embora meus bons ouvidos houvessem percebido certos sons parecidos com gargalhadas e risos fáceis advindos dele.
A desconfiança era grande. Em mais de quinhentos anos, era a primeira vez que um feudo longe do quadrilátero central desportivo do Reino Brasilis chegava as meias-finais de uma competição de tamanho porte, a envolver os melhores feudos dos maiores reinos do continente.
Já de início, a sopa de emoções, com sabores e ingredientes típicos de um imponente momento, contagiou a todos. MacJeff, a demonstrar uma angústia só, não sabia ainda que a noite seria longa, embora já visse com bons olhos azuis uma postura valente de seu gladiador, talvez um bom presságio, talvez uma falsa impressão – dúvida que logo no início se desfez com uma primeira vitória, ainda que comemorada timidamente.
Aos poucos, se tornava incômoda a presença daquela coisa por debaixo da grande mesa, tamanha era a sua debatidura. Deixei pra lá, e, mais ainda, ignoro-a quase por completo para saltar na segunda vitória do nosso gladiador, logo nos primeiros minutos depois do intervalo. Neste instante, Feat Black, um antigo quase-rival que naturalizou-se ouragane, também acredita que tudo está diferente, ainda que não saiba e não entenda direito como funciona tudo o que vê.
Passada a pausa regulamentar, a postura de ambos os gladiadores permanecia igual, o que se traduzia em uma clara supremacia da nossa parte. Volto a incomodar-me com aquela coisa agitada, penso até em chutá-la dali, mas sou refreado por Gran Fesse que, ademais, era o mais contido nas comemorações que já começávamos a iniciar, inclusive ao lembrar de fatos trágicos ocorridos no final do ano passado.
Durante parte do terceiro quarto da batalha, um sepulcral silêncio acomete a todos do castelo. De nossa parte, era a incerteza de saber se já tínhamos argumentos suficientes para brindarmos a glória.
O tempo passa, o tempo continua lentamente a passar, o tempo parece parar, o tempo pára. Ao faltar cinco minutos, entendemos as favas contadas, momento no qual eu, Carlton, Mars Field, Feat Black, MacJeff e Gran Fesse tiramos as nossas máscaras de apreensão e, finalmente, assumimos a magnífica vitória, a qual ao final realmente veio, sem maiores novidades - não obstante o momento em si já fosse obviamente marcado pelo ineditismo.
Extasiado, não resisto e, coxo, manco até a mesa de centro para saber o que era aquilo que tanto se debatia, que tanto tremia e que tanto se afligia no decorrer da batalha, que estava sempre procurando se esconder. Deduzo ser um agourento amuleto do adversário derrotado.
Eis que, ao aproximar-me, tête-à-tête, percebo não se tratar de algo parte da batalha. Na verdade, era uma figura terceira, era um ser que não fazia parte daquele momento e que não pertencia a nenhum daqueles dois feudos em combate.
Era uma joaninha. Uma desolada, triste, frágil, atônita e raivosa joaninha, de cores alvi-verdejantes, mascote-símbolo de uma tribo inimiga do nosso feudo (a tribo Kutoperêra) que, estupefata e muito deprimida, parecia não compreender o sucesso e a glória alcançada por Ouragan.
Hoje, Ouragan é um dos dois atuais símbolos do Reino Brasilis no mundo do gamão, o que nos permite sonhar com um passo ainda maior para, então, vivermos felizes para sempre.